Apenas aceite o amor





  Eu tive um grande amigo.
  Um amigo daqueles que você pode contar em todos os momentos.
  Aquele amigo que sabe quando você está triste e não te deixa em paz até descobrir o que aconteceu. Aquele amigo que é um anjo. Um anjo incompreendido.
  O problema dessas pessoas que colhem e ajudam a carregar a sua dor, é que como estão sempre sorrindo e dizendo para você manter a fé, você não nota a dor que elas carregam.
Esse meu amigo tinha um grande problema, mas ocupada com meus problemas não enxerguei a dor que ele tentava comprimir em seu peito. Não notei os sorrisos cada vez mais desgastados e o olhar desesperado.
Então, um dia eu acordei estranha, sabendo que não teria boas noticias. Nesse dia havia uma carta na minha caixinha de correios. Uma carta sem selo, sem remetente, entregue na calada da noite, com um pedido...

Alguns poucos anos passaram e minha consciência estava leve. O pedido fora realizado, mas as palavras que aquela carta continha não podiam ser jogadas fora. Apesar de nunca ter dispensado muita atenção a esse amigo, eu fui a escolhida por ele para entregar aquela carta a alguém. Isso eu fiz com muita dor, e antes de fazê-lo eu fiz uma cópia da carta.
Guardei aquelas palavras no fundo da caixinha onde deixo todas as cartas que recebo. Guardei-as também no fundo da minha alma e deixei-las intocadas.
Tudo que vai, volta.
Algum tempo atrás me lembrei daquelas palavras e tive vontade de divulgar ao mundo, mas elas não eram minhas de fato, apesar de serem postas sob minha responsabilidade.
Mas as palavras tão dolorosamente escolhidas como aquelas não podiam morrer assim. Não querendo fazer algo que meu amigo desaprovasse eu continuei mantendo-as guardadas até hoje. Hoje eu recebi o sinal de que elas precisavam ser divulgadas. Recebi a permissão.
Esse meu amigo, que vou chamá-lo apenas de Vicent (nome fictício, mas com signifcado) suicidou-se. Mas antes de partir ele deixou sua explicação.
Eis a seguir a carta de suicídio deixada na minha caixa de correio na noite de 28/03/2008.


“Eu sou gay. Cresci numa família muito carinhosa que me mimava e me adorava, mas quando contei a eles o que eu era, expulsaram-me de casa. O homem a quem eu devia chamar de pai, e que se orgulhava de mim, matou-me com o olhar e me enterrou como filho. Entendam que eu não queria causar dor nenhuma, apenas quis compartilhar o que eu era.
Eu não posso ser quem sou nas ruas sem ouvir palavrões ou gélidos olhares de desprezo. Eu não suporto não poder ser quem sou, ou não mostrar o que sinto. Vejo casais heteros demonstrando todo o tempo o seu amor em publico, fazendo declarações. Eu não posso dar a mão a quem amo numa tentativa de dizer ‘Quero estar com você não importa o que aconteça’, porque meu simples amor é considerado pecado. O mais nobre sentimento que pode existir dentro de mim é visto de maneira nojenta, na arrogância secreta de quem acredita ser melhor que eu.
É tão difícil assim respeitar as diferenças? Ignorem-me quando eu passar na rua, mas não me olhem como se eu não devesse existir. Quem é o dono da verdade?
Se você é um homem hetero apaixonado por uma mulher e ela não aceita certas coisas em você, você pode tentar mudar seu comportamento. Eu não posso me transformar numa autentica mulher caso eu infelizmente me apaixone por um hetero. Você acha seu amor impossível? Não conhece minha vida. Eu mal posso cantar alguém sem correr o rico de apanhar, pois ignorância é o que mais tenho visto por aqui.
Eu acreditei que seria aceito, na verdade continuo acreditando que os gays teram seu respeito, mas estou cansado demais para lutar. Eu perdi muita coisa, sofri desilusões. Estou muito, muito ferido e desgastado.
As pessoas pensam que não sou humano. A humanidade parece não aceitar pessoas diferentes. Se você não tiver força para ser quem é, você perece.
Se eu pudesse gritar algo e ser ouvido e em todos os lugares, e entendido em todos os idiomas, eu pediria apenas para que tentassem respeitar as diferenças. Larguem seus preconceitos, compreendam que cada um tem o divino direito de ser quem é, sem descriminar ou ser descriminado.
Eu quis paz, mas tive que lutar contra uma sociedade apodrecida em valores cruéis. Vocês (sociedade arrogante) são assassinos. Destruíram meu sonho, apagaram meu ser, condenaram meu amor, desprezaram minha alma e mataram meu desejo de viver. Juro que eu só queria ser feliz”



Vicent  existe internet no céu? Ou você descobre esse tipo de coisas por outros meios?
Desculpe dear friend por não ter lhe dado atenção.