quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Inquietude


Inquietude

Curiosamente quando se está inquieto é justo quando mais nos calamos. É quando as pessoas nos perguntam o que há de errado e não temos a resposta.

Inquietude é aquele estado em que tudo dentro de você está aparentemente calmo, quando todas as suas vozes interiores estão caladas, mas algo entre as brumas de seu pensamento ainda se agita. Estremece-te por dentro, como se uma verdade muito viva estivesse se debatendo trancada num baú.

É isso que nos deixa inquietos. Uma verdade que você não quer ver, mas que ameaça lhe encarar. Venha ela em forma de lembrança, temor, arrependimento, saudade. É algo que você gostaria de poder destruir simplesmente deixando-a de lado.

Quando minha madrinha morreu minha avó passava os dias inquieta. Ela ouviu todas aquelas palavras clichês que não são de fato ruins, apenas as únicas que conseguimos lembrar-se de dizer. Agradeceu enternecida, mas não falou uma palavra sequer de como se sentia ao perder sua filha mais velha. Trancou-se em suas próprias palavras.

Ela emudeceu completamente sobre o que lhe afligia. Passava as tardes andando de um lado pra o outro na calçada da casa, coçava a cabeça, olhava para o nada.

Muitos pesaram que ela enlouqueceria, outros achavam que isso já tinha acontecido.

Aos poucos, em seu próprio ritmo foi voltando ao normal. Hoje quando me lembro daquelas cenas que tanto vi e não dei importância (estava ocupada com a minha interpretação da dor), tento imaginar o que ela pensava. Quantos filmes não devem ter passado pela cabeça dela? E quantas vezes ela assistiu cada um?

Não teria como eu ajudá-la, eu estava lidando com minha dor, e deixei ela fazer o mesmo. A mesma pessoa foi separada de nós, mas não tivemos a mesma perda. Para resumir, eu perdi um anjo, ela perdeu uma benção, eu perdi uma madrinha, ela perdeu uma filha.

Mas ela acabou se curando usando a inquietude como terapia. Abriu pouco a pouco os baús das lembranças, das saudades, das magoas que recebeu e que ofertou a minha madrinha.

Nunca subestime o que a dor pode causar numa pessoa, e NUNCA superestime o que a dor pode causar numa pessoa.

A dor ataca a todos. Uns escolhem fazer da dor um sofrimento eterno, minha avó escolheu se curar. Deixou sua filha continuar a ser sua filha, e deixar sua dor silenciada numa inquietude finita.

Uns transformam a dor numa desculpa para desistir, outros a transformam num tesouro, outros sentem carinho pela dor, porque sabem que foi ela que os transformou, mas a abandonam. Poucos são como minha avó que apenas a deixa passar.

As dores são como os ratos, não se pode dar ouro a eles, nem esperar que eles lhe tragam diamantes.

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